quarta-feira, 3 de junho de 2009

Bosta de Pombinha

São Luís, 2009, 22 de Fevereiro



DEPOIS DE FICAR POR HORAS NA SALA DE ESTAR, lendo um livro qualquer, resolvi cessar a leitura e ir-me dormir – já me era demasiado tarde pra estar acordado – Levantei-me, estiquei o corpo, coloquei as mãos para o alto e soltei uma longa bocejada antes de subir os degraus numa lentidão comparável a de um velhinho reumático(Conto, na data deste conto, vinte e quatro anos). Cheguei ao fim deste “sacrifício” que era esse esforço da subida rotineira, dei mais quatro passos para a direita, no corredor, fiquei diante da porta do meu quarto que, não ao meu costume, estava entreaberta. Observei com cautela, pois me causara um desconforto esta situação inusitada. O quarto estava demasiado escuro, e, amedrontado, meti somente um braço para dentro; tive que tatear a parede para achar o interruptor que ligava a luz. Enfim, com a luz ligada, deslizei o resto do corpo para dentro do quarto, olhei em torno de mim, e de anormal nada vi; era o mesmo quarto de oras atrás: roupas no chão, objetos de mesa desordenados, livros mal empilhados sobre a mesa, cinzas de cigarro nos cantos, um cinzeiro sobre o criado-mudo com seu conteúdo entornado, etc.

Aliviado da tensão que o medo me causara, dei um leve suspiro. Com esforço descomedido – logo eu estava por demais cansado – despi-me da camisa de malha branca e coloquei-a por sobre o rebordo da cadeira de bambu que estava ao lado da mesa do computador. Fiz menção de despir-me da calça jeans, mas antes de fazê-lo, chamou-me a atenção à presença de uns pequenos corpos estranhos no meu quarto. Notei que ao lado da cama, havia no chão várias bolinhas do tamanho de um botão de camisa: eram pretas, brancas, cinzentas e mistas (preta-e-branca ou branca-e-cinza). Intrigado com a presença daquelas bolinhas eu me transportei para perto daqueles corpos estranhos a fim de analisá-los de perto. Agachei-me e encostei meu rosto para perto, mas nada identifiquei. Não satisfeito, toquei-as com o dedo indicador: era um trocinho macio, húmido e gelado. Aproximei o mesmo dedo para próximo às narinas e, para o meu espanto, era o que eu temia: Bosta. Gritei: “È bosta”.

Levantei-me num sobressalto, praguejando, danado de raiva, enojado e afastei para longe do rosto o dedo sujo de merda. Antes de ir-me ao banheiro para lavar a mão nojenta, olhei para cima, na mesma direção do monte de cocô, e logo avistei o malfeitor, metido numa brecha entre a quina da parede e o telhado: uma pombinha, sem dúvidas uma pombinha: a cabeça escondida na brecha e a região anal apontada para o interior do quarto, perto da cama.

“Cafajeste! Cafajeste! Cafajeste! – Trovejei tomado por cólera. “Mas que diabos tu faz aqui? Não tem outro lugar para cagar, porra?"
Pus-me a atroar perguntas para a pombinha que permanecera imóvel.
“Viu, demônio, o que fez no chão do meu quarto? – continuei aos gritos-“Tá pensando que pode defecar em qualquer lugar?”

Bastou que eu cessasse as perguntas e os xingamentos pra que a pombinha me respondesse de uma maneira a altura: mexeu-se freneticamente na região do ânus, abriu um pouco as asas e soltou uma rajada de bosta, ali no chão, ao pé de mim.

“Ta certo! Agora chega!” – Causou-me aumento da raiva tal atitude da ranzinza ave.

Deslizei-me para pegar um caderno que estava por sobre a cama, retirei-lhe uma folha e fiz uma bolinha, bem amassada. Dei dois passos para trás, mirei a ave e arremessei a bolinha contra a pombinha: Passou muito longe. Depois joguei mais umas dezessete vezes, sem êxito; sem, ao menos, fazer-lhe mover uma pena. Não bastava ter errado em todas as tentativas; na última, a bolinha ficou presa na brecha, entre o telhado e a parede, ao lado da pombinha que parecia me caçoar, imóvel. Tal situação me deixou torturado, e, vencido, preferi deixar a pobre pombinha quieta, como estava.

“Ok! Desisto! – disse eu depois de um longo suspiro de desapontamento – Você pode ficar por esta noite, mas com uma condição: mire essa bunda pra bem longe da minha cama; caso contrário irei até o quintal pegar uma vara de colher caju pra 'cutucar' esta sua bunda horrível até ferir-lhe.”

Derrotado, despi-me da calça jeans, vesti o samba-canção e preparei a cama. Dei uma derradeira olhada em torno de mim, depois mirei a pombinha e resmunguei: “Graças por não feder essas bolinhas de cocô”
apaguei a luz e me aconcheguei; adormeci.


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Amanheceu. O relógio contava 08h30min da manhã, a luz do sol entrava pelas brechas da janela e dava um tom dourado ao ambiente. Ergui meu corpo e fiquei sentado na cama, olhei para o lugar onde estava a pombinha, então vazio; dei graças por ela ter se ido. Mas, para minha angustia, as bolinhas de cocô ainda estavam no mesmo lugar, só que em quantidade maior, formando um montinho. O primeiro juízo que me veio foi de limpar àquela "cagalhada". Fui ao banheiro, peguei um balde com água e sabão, um esfregão e luvas descartáveis. Antes de tocar a obra, ao mirar o local emporcalhado, chamaram-me a atenção quatro bolinhas de "merda" afastadas do montinho. Faziam uma fileirinha bem organizada: uma branca, uma cinzenta, uma preta e outra branca; quase a mesma distancia uma da outra. Afirmei, em pensamento, que não podia ser outra coisa senão uma mensagem da pobre ave; talvez me quisesse agradecer pela estada.

2 comentários:

Anna Vitória disse...

Primeiro de tudo, respondendo a sua pergunta: por que eu não gosto do Camelo? Tá, eu não tenho nenhum embasamento teórico que sustente a minha fala, ele apenas não me desce. Sei lá, acho pretencioso, e reafirmo, ele não me desce. E só.
E sobre seu post, me divertiu um bocado, principalmente o final. Pombos não são legais, mas sempre que vou a praça não resisto à tentação de atirar-lhes pipocas.
beijos

vieira calado disse...

Olá, amigo!

Passei para ler e deixar um abraço.