quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Quase Delíro (Cont) Parte 3

São Luís, 26 de agosto de 2009

ANTES QUE EU PUDESSE CRIAR CORAGEM e virar pra ver a dona da voz, observei a onda saindo da bruma e cobrindo novamente meus pés e parte da canela; o frio da água, com o frio das gotas da chuvinha e com o frio do sangue, congelou a coragem de me revelar o rosto espantado. A voz repetira o “olá” seguido de “o que faz ai sozinho?”.
Num súbito giro ligeiro desatolei o pé da areia meio desajeitado e, sentindo um enorme acanhamento, me pus frente a frente com a tal moça dona da fala, que ria disfarçadamente da minha atrapalhação. A moça de capa de chuva amarela revelava somente os pés descalços e o rosto; com um sorriso desembaraçou-se de um pequeno gracejo para um hilariante rosto risonho, advertiu-me do perigo que era andar por aquelas redondezas num estado de tempo tão medonho, e fez esforço pra não soltar, junto com as palavras, risos. Intrigara-me o motivo de tanto alegria daquela moça a minha frente, a sardentinha dos olhos grandes; ria-se como se estivesse a apreciar um teatro humorístico, divertia-se as custa da minha atrapalhação, e não evitara o contrair dos lábios rosados e vultosos numa sonora risada. Fixei o olhar, atinado, nos olhos castanhos escuro da moça risonha a minha frente; esta se percebeu em um separado momento de descontração, mudou subitamente o semblante, corou as maçãs do rosto, e percebeu-se em incoerência, envergonhara-se, uma vez que não surgira em mim nenhum senso de humor. O chuvisco caia sobre mim e sobre a capa da moça – fato que produzia sons de estalinhos. Com o aspecto preocupado, serenamente, a moça falava do meu aspecto de espanto “Seus lábios estão arroxeados, faz muito tempo que você esta ai sozinho?” eu a respondi com um aceno de cabeça positivo (trêmulo da cabeça aos pés); a sardentinha franziu a testa e mostrou-se assustada com a resposta positiva “você deve não ter ciência de quanto é perigoso andar por aqui...” enquanto a moça advertia-me, estudei por tempo a sua feição e a interrompi com a voz arrastada e trêmula “engraçado eu ser persuadido de periculosidade por uma mulher. E você, o que fazes também sozinha? Aqui não é perigoso?” a moça fez cara de insultada e soltou um riso debochado enquanto virava o rosto de lado e me respondeu com outra pergunta “deixa-me adivinhar: você não é daqui, certo? Com aceno de cabeça respondi que sim, preferi responde-la a cobrar uma resposta; a moça estendeu-me a mão “como eu pude ser tão mal-educada... Permita-me que eu me apresente, meu nome é Monise.” eu também estendi a minha mão gelada e trêmula “Meu nome é Leonel, muito prazer” depois de nos apresentarmos, por um tempo, sentindo parar o chuvisco, quebrei o silêncio que pairava entre mim e a moça cobrando-a resposta para a minha pergunta que fizera a pouco “você não respondeu a minha pergunta, Monise” a moça hesitou, talvez demova a organizar a memória – nesse momento ela foi salva pela chuva que caiu subitamente e com muita força. A moça me pegou pelo braço e me puxou; com pressa, disparamos a correr; os meus sapatos faziam um barulho de chacoalho e eram pesados; a jaqueta e a calça jeans molhadas me davam uns cinco quilos a mais; fazia eu muito esforço pra correr com o mesmo rítimo daquela garota de capa de chuva amarelo e de pés ligeiros como as de uma cotia.
Já era noite e corria eu pela penumbra, debaixo de uma chuva medonha com uma estranha. Veio-me a lembrança dos meus velhos tios, uma forte adrenalina me fez subir um frio na espinha; os velhos, obviamente, suspeitaram da minha fuga e sentiam-se desesperados por conta da preocupação, enquanto eu estava correndo na chuva, sendo levado por uma garota, por uma caminho estranho, a uma cabaninha estranha e escura que me veio a vista.
Adentramos num chalezinho velho e com cheiro de madeira molhada, eu sentado num banquinho velho e a moça em pé olhando a chuva; dessa forma demoramos sem dialogar, apenas ouvindo o som da chuva o os estrondos dos trovões. Monise notara o meu desconforto causado pelo frio e pelas vestes úmidas – tremia eu incessantemente – e dirigiu-se até perto de mim; eu, ao pé dela, falai-lhe antes que ela falasse “estou com muito frio” e ela repetiu o sermão “você não deveria ter saído de casa nessa chuva, aliás, você mora onde?” eu a respondi igualmente como ela me respondeu outrora uma pergunta: com outra pergunta “por que me perguntaste se eu não sou daqui” ela ignorou a pergunta e falou da chuva “essa chuva que não para...” eu a interrompi com um “por quê?” num tom tão baixinho e aveludado que mais parecia que eu estava implorando uma resposta, ela, abaixando capuz da capa de chuva, respondeu-me “pessoas daqui não mais contemplam a praia sentado na pedra da forma que você estava ontem.” Nessa hora eu senti um enorme frio no estômago, pois estava, sem dúvida, diante da moça que me causou febre, da moça que me tomava os pensamentos, que me causara desconforto na chegada da tardinha; a moça de capa de chuva amarela e pés descalços, a sardentinha, a Monise. Demorei a contemplar o rosto sarnento e sério de Monise, e mal notei o cessar da chuva...

CONTINUA


Roberto:
"Não reparem nos errinhos, este texto não fora devidamente corrigido.
Olhos cansados!

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Quase Delírio (Cont.)

São Luís, 20 de agosto de 2009


O RELÓGIO CONTAVA 08h19min QUANDO ACORDEI sentindo frio; levantei-me num sobressalto e, confuso, dirigi-me até a janela que estava entreaberta. Pela brecha olhei a névoa que se apresentava como uma má notícia e esbranquiçava todo o panorama a minha vista.
Planejara no dia anterior, fazer um passeio na praia no período da manhã, mas fazia frio demasiado e a bruma era por de mais espessa – não podia eu ver três metros a minha frente.
Deixei o quarto e, acompanhado pelos meus velhos tios, fui tomar café. Enquanto enchia a xícara e cortava o pão, ouvia a conversação que fluía entre os senis: “Parece que hoje vamos ter um dia daqueles, disse o velho, não demorará pra que os jornais nos deixarem alertados sobre o perigo que trás a névoa; ultimamente têm-se notícias de vários furtos e assassinatos por estes lados da cidade.” “Já deveria ter trocado as fechaduras, meu velho – disse a velha – todo cuidado é pouco para a segurança da casa. Ainda bem que fizemos compras ontem, pois eu não arredo o pé de casa hoje, tenho muito medo de delinqüentes (...)”

Fiz-me atento a conversação e entristeci-me com a situação do tempo, pois planejara reencontrar a todos quem eu prometi voltar quando no passeio de outrora pela praia: “Voltarei amanhã, Natureza. Voltarei amanhã, navios. Voltarei amanhã, moça. Amanhã.”Senti-me angustiado por toda a manhã, pois o fato de não poder cumprir a promessa de voltar à praia me causava tristeza e desagrado. Passei o horário de almoço perto da janela de vidro, na sala, vendo um fino chuvisco se apresentar.
Enquanto os pingos de chuva embaçavam a vista da janela e trazia com ela mais angustia a minha pessoa, eu refizera, em mente, o passeio de outrora; como um sonho: vieram-me as imagens que se via de cima das dunas naquele momento: as silhuetas dos navios no horizonte distante; o contorno das pessoas que por lá passavam; a moça sentada na areia (Ah! Aquela moça).
À tarde assuntei com meu velho tio coisas sobre o tempo e periculosidade. O velho falou-me dos crimes que em dia de névoa aconteceram ali perto e outra série pormenores que não porei no texto pra não alongar a escrita.
Importunara o tio com vários questionamentos.
A velha trouxe biscoitos e chá pra mim e para o velho; éramos quietos enquanto ceávamos. Depois de uma longa pausa, meu tio alertou-me do perigo dizendo-me que melhor seria que eu ficasse em casa neste fim de tarde, pois dessa forma estaria eu em segurança. Tal coisa dita pelo velho me deixou entristecido. Como poderia eu quebrar uma promessa tratada como dívida? O que pensariam de mim os navios? Perdoar-me-ia a natureza? E a moça (A moça! A moça!) que já era dona dos meus pensamentos, perdoar-me-ia?
Senti-me destroçado. O tédio chegara junto com o fim de tarde. Deixei meus tios avisados de que me recolheria mais cedo ao quarto; iria me distrair em leitura, uma vez que não podia sai de casa.
Sentado na cama, olhei e torno de mim e nada vi pra que me pudesse distrair; logo a angustia de ser um mentiroso, a dor que me causava a o desapontamento da natureza para comigo, e o desprezo da moça, consumia-me os pensamentos; nada poderia me curar da aflição que sentira.
De súbito, depois de mirar por muito a janela, veio-me a idéia de fazer tal passeio em segredo. Foi o que fiz sem hesitar. Com poucos minutos eu já estava cruzando as ruas dos enormes casarões que se escondiam atrás de muros longos, com as roupas e os cabelos umedecidos pela chuva fina. Cruzara a avenida já encharcado e, enfim, as dunas. Caminhava eu, lentamente, por sobre a areia molhada. Do alto das dunas, com dificuldades, só enxergava névoa. Difícil era ver o horizonte, só se escutava o barulho das ondas. O frio aumentara e eu não conseguia me locomover a outro lugar, permanecia nas dunas sem esperança de ver alguém por perto.
Os navios eram escondidos na bruma; a natureza era camuflada na penumbra que chegava com a tardinha; a moça... Ora, a moça não teria uma infeliz idéia de passear naquelas condições de tempo. Só um louco que caminha como um errante atordoado por uma promessa que caminha pelas ruas em meio tanta neblina, desafiando o perigo. Afastei a manga da camisa e olhei o relógio que contava 17h52min, tornei a cobri-lo e suspirei.
Tido como um louco por mim próprio, atordoado, fiz, com dificuldade, uma descida duna abaixo até a praia. No caminho, avistei a pedra onde eu sentava outrora; e, a alguns metros dali, o lugar onde sentara a moça, vazio. Sem conseguir meditar por perturbação causada pela aflição que me causara a revolta de não vê-la, caminhei até chegar a um ponto onde eu podia ver o quebrar das ondas; deixei-me molhar os sapatos e pus-me a meditar: “Só tu, natureza, fez-se presente a mim em meio tanto frio e tanta bruma, e com tuas águas alegrou-me a tocar meus pés.” “Ó Moça que me causou febre, será mesmo que aquele segundo olhar significou o arrependimento”? “Pois se for bem verdade isso que me atormenta...”
Cessei a meditação, pois fui interrompido por rumores de vozes atrás de mim. Um estranho sentimento me dividia entre o medo e a ansiedade. Eu era paralisado como um espantalho e me fiz cauto a filtrar os sons que se misturavam: o quebrar das ondas e as vozes. Permaneci na mesma posição e notei que as vozes cessaram; somente o mar produzia sons nesse momento. Durou o ócio. Inesperadamente senti um toque no meu ombro e um "olá"; era uma voz feminina...



Continua

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Quase Delírio

São Luís, 15 de Agosto de 2009



O passeio

AQUI é tão ruim pra você, sobrinho ― disse minha tia velha enquanto cosia sem tirar os olhos da agulha ― não há pessoas da sua idade pra conversar. Entristeço-me ao ver-te ai, desanimado. Por que não vai até a praia? Vá, meu filho! Caminhar um pouco pode ser uma boa distração.”
Dito isso, o velho, sentado na sua poltrona, ouviu a proposta da velha para com o sobrinho e fez gesto de aprovação com a cabeça, enquanto o fumo fazia passagem por entre os lábios e dava peso na atmosfera da sala. A princípio, achei péssima idéia fazer uma caminhada até a praia, aliás, sozinho, seria triste o bastante pra aumentar minha angustia de estar entre pessoas velhas e silenciosas. Mas entre ficar em casa vendo o velho tio lê jornal e fumar cachimbo e a velha tia coser, optei por ir a praia sozinho. Ao sair de casa, fiz uma serena caminhada ― A distância entre a casa dos velhos tios até a praia não era o suficiente para causar dor nas pernas; quiçá, meditar. Durante a caminhada, andei por ruas estreitas, arborizadas. As casas eram, em maioria, escondidas por trás de grandes muros. Cruzei duas largas avenidas e, finalmente, cheguei à praia. Ao contemplar o mar, mudei, subitamente, o juízo de que seria uma viagem perdida e sem bel-prazer; logo, o cenário a minha frente era-me deslumbrante (Quiçá o mais da minha vida): O mar era sereno e alaranjado por causa dos raios de sol que perfurar uma enorme nuvem, como enormes flechas ― fato este que formava uma coisa que a arte tenta retratar: um espetáculo de luzes e sombras ― as silhuetas dos navios enfileirados no horizonte longínquo; o contorno das pessoas que caminhavam a beira-mar. Durava a minha contemplação de todo esse panorama. Meu olhar se dividia entre o pôr-do-sol, os navios e uma moça que, a uns cinco metros de mim, estava sentada na areia. Esta parecia admirar também o que eu apreciava, sem se importar com o vento forte a agitar freneticamente os seus cabelos. O tempo passou mais rápido do que o vento. Chegara o crepúsculo quase sem eu perceber; e, junto com ele, o alerta. Levantei-me da pedra na qual estava sentado. Despedi-me, em pensamentos, da natureza, dos navios e da moça que ali permanecia quase imóvel, se não fosse pela agitação dos cabelos. Assegurei-lhos voltar: “Voltarei amanhã, Natureza. Voltarei amanhã, navios. Voltarei amanhã, moça. Amanhã.”Fiz menção de caminhar, mas a moça se fez notável a mim quando, subitamente, levantou-se, separou a areia do corpo e passou as mãos pelos cabelos. Parei para contemplá-la por mais alguns instantes. A moça, antes de ir embora, fitou-me por sobre o ombro, retirou rapidamente o olhar e seguiu caminho a ir-se embora. Com o olhar fixo, observei, por todo seu percurso, a jovem que sumia em meio a penumbra da tardinha. A moça, antes de sumir por completo, antes que eu curvasse o olhar, fitou-me novamente ― desta vez, ao contrario do primeiro, o olhar era demorado ― deu dois Passos e por fim sumiu por trás das dunas. No caminho de volta, amargurei um vazio que me trazia a dúvida e a saudade. Triste pela falta de costume de andar só. Enquanto caminhava, meditava: “Talvez aquele primeiro olhar da moça fosse uma promessa de voltar. Talvez aquele segundo olhar (Ah! O segundo olhar!) fosse à confirmação ou o arrependimento.” Antes de pegar no sono, em pensamentos, agradeci a minha velha tia.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Quase Beijo

São Luís, 20 de Junho de 2009


Num banquinho, do lado de fora da classe, assuntávamos Ângela e eu. Ela me contava coisas sobre o falecimento de um primo, sem me dar chances de falar-lhe o que eu queria:

“(...) Ah! Quando se morre uma pessoa querida... Eu disse uma pessoa querida? Pois bem... quando se morre uma pessoa muito querida, eu não faço nada além de chorar. E sempre têm aquelas pessoas que tentam me consolar das piores formas do mundo: uns dizem para cessar com choro e ser forte. Como ser forte numa ora dessa tão triste? Como evitar o choro se o coração, num momento desses, parece bombear, além de sangue, lágrimas? Lágrimas como se fosse sangue que entorna pelos olhos e escorrem, escorrem... Outras pessoas dizem: „meus pêsames‟. Pêsames! Pêsames! Pêsames! Esta palavrinha! Ô palavrinha! Não sei por que soa horrivelmente nos meus ouvidos; em vez de me consolar, me causa vertigens. A cada vez que uma pessoa se aproxima de mim, torço pra que não me pronuncie tal palavra, porque receio ouvi-la. Por que não simplesmente me abraçam, em vez de me trazerem lenços? Por quê? Acho que ...”

Dei pouco crédito ao que me falava Ângela, confesso. O fato de estar ao lado dela, de está fronte a fronte (quase beijo), chamava-me mais a atenção do que o assunto de gente morta (mas que belo par de olhos tinha a mulher que me dirigia à palavra). Poder eu olhar a minha imagem nos olhos dela causava-me tanta distração quanto imaginar a imagem dela nos meus. O meu olhar era fixo nela; o de Ângela, pouco podia se atar em mim, afugentava-se muito, talvez por timidez porque notasse a contemplação namorada.

Eram, mesmo na morte de outrem, instantes de prazer quando estava ao lado de Ângela, sentia um fluido frio passar nas veias a cada vez que me olhava ou tocava-me as mãos. Lembro-me que nunca vira uma mãozinha tão bonita, talvez seja exagero dos românticos exaltar as mãos das mulheres; o fato é que os olhos se fecham para qualquer defeito feminino no passar gélido e avassalador do fluido. O maior desejo era que não findasse aquele momento onde até a agonia era coisa boa. Mas como uma hora perto da mulher amada equivale, relativamente, a um minuto de trabalho árduo, o tempo se fez tempo sem dar tempo ao tempo: havia chegado à hora de nos irmos, e nada fiz, nem sequer falei-lhe palavra, como as outras vezes em que assuntávamos. Não falei nada que mandara o coração e que os exigiam hormônios. Não sei se por medo ou se por acanhamento (pobre corpo, fraco e teimoso, se faz covarde a contragosto do coração e dos hormônios); só sei que nunca eu estava preparado para a saudade porvir e levava para o fundo do quarto todo o fardo de sofrer angustias e arrependimentos.

Ângela, como de costume, depois de tanto falar, despediu-se de mim com um velho conhecido sorriso malicioso; eu, por minha vez, correspondi com um aceno de mão e demonstração dissimulada de contentamento. No entanto, em meu coração, sofria com a aflição causada pela omissão das palavras de amor que me acovardara em dizê-las.

Quando num momento desses com Ângela, além de palavras de amor, acontecem, também, em pensamentos, beijos, carícias, visões sonhadoras do futuro...

Basta um minuto depois da despedida para estarmos por demais afastados. As palavras e os beijos que acontecem em pensamentos, mais tarde, se transformam em sonho, que se transforma em objetivo, que se transforma em quase beijo (Existe quase beijo?); que se transformam em pensamentos...
Assim se repetiu, por todo ano letivo, este ciclo defeituoso.
R. R. Almeida