terça-feira, 4 de agosto de 2009

Quase Beijo

São Luís, 20 de Junho de 2009


Num banquinho, do lado de fora da classe, assuntávamos Ângela e eu. Ela me contava coisas sobre o falecimento de um primo, sem me dar chances de falar-lhe o que eu queria:

“(...) Ah! Quando se morre uma pessoa querida... Eu disse uma pessoa querida? Pois bem... quando se morre uma pessoa muito querida, eu não faço nada além de chorar. E sempre têm aquelas pessoas que tentam me consolar das piores formas do mundo: uns dizem para cessar com choro e ser forte. Como ser forte numa ora dessa tão triste? Como evitar o choro se o coração, num momento desses, parece bombear, além de sangue, lágrimas? Lágrimas como se fosse sangue que entorna pelos olhos e escorrem, escorrem... Outras pessoas dizem: „meus pêsames‟. Pêsames! Pêsames! Pêsames! Esta palavrinha! Ô palavrinha! Não sei por que soa horrivelmente nos meus ouvidos; em vez de me consolar, me causa vertigens. A cada vez que uma pessoa se aproxima de mim, torço pra que não me pronuncie tal palavra, porque receio ouvi-la. Por que não simplesmente me abraçam, em vez de me trazerem lenços? Por quê? Acho que ...”

Dei pouco crédito ao que me falava Ângela, confesso. O fato de estar ao lado dela, de está fronte a fronte (quase beijo), chamava-me mais a atenção do que o assunto de gente morta (mas que belo par de olhos tinha a mulher que me dirigia à palavra). Poder eu olhar a minha imagem nos olhos dela causava-me tanta distração quanto imaginar a imagem dela nos meus. O meu olhar era fixo nela; o de Ângela, pouco podia se atar em mim, afugentava-se muito, talvez por timidez porque notasse a contemplação namorada.

Eram, mesmo na morte de outrem, instantes de prazer quando estava ao lado de Ângela, sentia um fluido frio passar nas veias a cada vez que me olhava ou tocava-me as mãos. Lembro-me que nunca vira uma mãozinha tão bonita, talvez seja exagero dos românticos exaltar as mãos das mulheres; o fato é que os olhos se fecham para qualquer defeito feminino no passar gélido e avassalador do fluido. O maior desejo era que não findasse aquele momento onde até a agonia era coisa boa. Mas como uma hora perto da mulher amada equivale, relativamente, a um minuto de trabalho árduo, o tempo se fez tempo sem dar tempo ao tempo: havia chegado à hora de nos irmos, e nada fiz, nem sequer falei-lhe palavra, como as outras vezes em que assuntávamos. Não falei nada que mandara o coração e que os exigiam hormônios. Não sei se por medo ou se por acanhamento (pobre corpo, fraco e teimoso, se faz covarde a contragosto do coração e dos hormônios); só sei que nunca eu estava preparado para a saudade porvir e levava para o fundo do quarto todo o fardo de sofrer angustias e arrependimentos.

Ângela, como de costume, depois de tanto falar, despediu-se de mim com um velho conhecido sorriso malicioso; eu, por minha vez, correspondi com um aceno de mão e demonstração dissimulada de contentamento. No entanto, em meu coração, sofria com a aflição causada pela omissão das palavras de amor que me acovardara em dizê-las.

Quando num momento desses com Ângela, além de palavras de amor, acontecem, também, em pensamentos, beijos, carícias, visões sonhadoras do futuro...

Basta um minuto depois da despedida para estarmos por demais afastados. As palavras e os beijos que acontecem em pensamentos, mais tarde, se transformam em sonho, que se transforma em objetivo, que se transforma em quase beijo (Existe quase beijo?); que se transformam em pensamentos...
Assim se repetiu, por todo ano letivo, este ciclo defeituoso.
R. R. Almeida

9 comentários:

Mari Abreu disse...

Muiito bom. =D

ei qual teu msn?
bjo

Memória de Elefante disse...

pensamento tambem é um beijo!

Samyle Lindsay disse...

"Como evitar o choro se o coração, num momento desses, parece bombear, além de sangue, lágrimas? Lágrimas como se fossem sangue que entornam pelos olhos."

Isso me tocou, cara. :)

Pensamentos... Sonhos... Um arrependimento, talvez... Uma vontade de rasgar o peito e sufocar o coração.

O amor é mesmo uma coisa difícil!
Ou vai ver é a gente que dificulta tanto.

Beijos!

Anna Vitória disse...

"Mas como uma hora perto da mulher amada equivale, relativamente, a um minuto de trabalho árduo, o tempo se fez tempo sem dar tempo ao tempo"
Gostei muito.
beijos

Hugo de Oliveira disse...

Parabéns pelo blog...muito bom. Gostei. Vou seguir isso aqui...

Vou te linkar aos meus favoritos.


abraços

Hugo

Paula disse...

Olá, gostei muito desse texto e de como vc escreve.
Esse texto me lembrou algumas coisas que eu vivi.. felizmente no meu caso o "quase beijo" está quase chegando no casamento já.
Espero que não se importe se eu voltar mais vezes. Até! :)

Memória de Elefante disse...

tem uns poemas lá na minha morada vais gostar...

Lorrayne Lindsay disse...

meu Deus!!!
procurei apenas um trecho para poder comentar
mas tudo está...
perfeito!
por um momento senti vontade de ser Angela e largar um beijo no "eu", quem nao tem nome rs!
mto lindo...
vc faz mulheres suspirarem!!!

beijo grande

Roberto disse...

Sinto-me lisonjeado.
Obrigado a todos!