sexta-feira, 12 de junho de 2009

Diário de Office Boy

Eu estava há uns quinze minutos na sala de estar, no apartamento de uma estranha, sentado em um sofá pouco cômodo. Ao lado, no mesmo sofá, deitada de ponta a cabeça, uma menininha de uns cinco a seis anos, inquieta, com um brinquedinho na mão, cantarolava uma musiquinha que não me recordo à letra, só a voz rouca e baixinha. Lembro também do olhar, aquele de quem fica conferindo se está ou não recebendo atenção. No outro sofá, em frente, uma Advogada gorda, muito branca, aparentava ela ter seus 37 anos, mas talvez tivesse menos se desenrugasse a face pra parecer mal encarada e áspera.

Eu estava a trabalho, no leva e traz e na espera de praxe. Sentia-me um impostor naquela casa; pude notar pela expressão de raiva da advogada, os olhos são as últimas partes do corpo a fingir hospitalidade, por isso ela não os tirava dos papéis. Ela estava com aquele mesmo ar de quem despreza os garçons, os garis, os carteiros, a mulher da lavanderia... só porque acha que tem um dinheiro a mais, quando na verdade também não passam de funcionários públicos que dormem pouco e são obrigados pelo seu próprio senso moral a mostrar boa sombra, dar bom dia e apertar a mão, esteja ou não asseadas, de quem quer que seja, goste ou não. Sem fineza, folheava documentos desordenados por sobre a mesinha de centro, junto com uma lata de refrigerante, farelos de comida e um cinzeiro transbordado. Mal olhava para os lados. Fumava incessantemente um cigarro atrás do outro e nem se importou quando a filha embrenhou-se até o armário, a três passos de si, e começou a escalá-lo perigosamente, como uma macaquinha.

Ao mesmo tempo eu fazia, com pouca paciência, um dos ofícios mais executados pelos Office Boys: esperar. Esperar a boa vontade alheia. Dividia a atenção entre a menininha alpinista de armários e aos movimentos lerdos, arrotos e o tilintar das pulseiras da advogada.

Passou-se tempo e sem que eu esperasse a mulher finalmente notou a proeza da filha:

— Desça daí, selvagem — ordenou em trovejos, de súbito, sem tirar os olhos dos papeis.

— Logo agora, mamãe. Eu estou quase... — replicou a menininha com a voz forçada porque esticava o braço pra pegar alguma coisa que não dava na minha vista de onde eu estava.

A mulher manteve a mesma expressão de dantes depois dar a ordem um tanto despreocupada, e a menininha continuou a subir mais alto.

Eu, já aflito com a posição perigosa da menina, espremia-me de preocupação a cada ruído que fazia o balançar do armário e a queda de objetos. Do sofá, já com aflição notável, cismava em pensamentos:

“Mas que espécie de mãe é esta a minha frente? Não se desassossega com a filha que escala o armário, na iminência de cair e se machucar grave? Meu Deus!”

A sapeca, lá no alto, escorregou um pé; fato que produziu um barulho que me assustou a ponto de fazer menção de levantar-me, num sobressalto involuntário de aparar a menina, caso ela caísse. A mãe desnaturada nada fez além de me olhar como se se importunasse com a minha agonia. Depois olhou par a menina, mas não demorou a dar atenção para os documentos; cingiu os lábios um contra o outro e balançou a cabeça num gesto de negação.

— Pronto! Já está tudo revisado e assinado. — Disse a mulher com voz de quem quer ver longe as visitas, levantou-se e organizou os papéis com bruteza – Entrega lá pro teu patrão e toma muito cuidado com esses negoços, ai. Caso ele encontre algum erro, ou se estiver faltando algum documento, me deixe avisada na mesma hora, certo?

Aquela dupla ordem veio com o mesmo tom de uma ameaça. Essa é uma das particularidades de pessoas incivis: sempre fingem não amar, para não desfazer a postura de autoridade; descortesia e voz áspera tanto para dar ordens quanto para pedir obséquios.

— Certo — confirmei, com os olhos no chão, receado.

Nesse mesmo instante, quando lancei um olhar por cima do ombro da mulher, a menininha estava no topo do armário e parecia bem posicionada, sentada não sei com que destreza, e examinava uma caixa que parecia ser de sapatos.

Com um magro aceno de mão me despedi da mulher sem ser correspondido. Caminhei até a porta e ela me acompanhou não por cortesia, mas para fechar a porta, somente.

Enquanto eu caminhava pra sair, lancei o derradeiro olhar para a danadinha que permanecia dependurada no alto do armário e voltei a conjeturar em pensamentos:

“Se a escalada da menina foi por objetivo de me chamar atenção, conseguiu; mas a despreocupação da mãe me chamara à atenção um tanto quanto”.

Antes que a mulher fechasse a porta, pude ouvir, lá de dentro, exclamações:

– Manhê! Olha o que eu achei! Seu peso de papel!

– Que maravilha, filhote! Que maravilha! Faz tempo que eu procurava!
R. R. Almeida

Um comentário:

Anna Vitória disse...

Nossa, desculpe a demora pra responder seu comentário, tenho estado mega-enrolada. Enfim, ainda sobre o assunto do Camelo, ele não me desse a goela, mas eu ainda gosto muito de suas músicas e assim que tiver tempo baixarei seu cd solo. O Amarante também sempre me agradou mais, isso ficou evidente no show deles que fui esse ano, na abertura do Radiohead. Achei o Camelo muito quieto, sem presença de palco alguma, enquanto o Amarante transbordava carisma. Mas o que eu estou falando de carisma? Adoro Oasis que tem os membros mais intragáveis do mundo.

Gostei do texto, de novo. Coitada da meninha, essa mãe vaca.