sexta-feira, 9 de outubro de 2009

QD (Dspeito amoroso)

São Luís, 09 de outubro de 2009

Despeito amoroso


CAMILO TIROU de uma mala, tralhas de pesca. Enquanto arrumava os anzóis e outras ferramentas, fazia questão de me dizer, com acendimento, o nome de cada uma e suas respectivas serventia. O velho veio ter na sala de novo, e viu os dois jovens entretidos numa aula informal de pescaria dada pelo sobrinho recém-chegado ao sobrinho “fujão”. Camilo, quando viu o velho ao pé de si, abriu um sorriso que vertia sinceridade; eu olhando aquela cena de pura afabilidade entre os parentes, também sorri, mas não exercia bem a arte de ser afável, sorri com tremendo esforço para parecer cordial. Talvez aquela cena patética me causasse embaraço; era brilhosa demais, ao ponto de não me fazer vidrar os olhos nos rostos demasiado alegres. “Demasiado alegres?” Ora, ai vem controvérsia, de novo: “Demasiado alegre” soa paradoxal. Existe alegria demasiada? Não é bom ter exorbitante alegria? Isto é, quanto mais alegria não é sempre melhor? Já ouvi esse disparate antes, foi dita pela minha mãe, quando numa briga com meu pai, e por ventura a usei nesse texto pra melhor disfarçar o meu despeito.

Numa briga, que era de praxe, minha mãe vociferava as verdades na cara do meu pai; este, adentrando trôpego em casa, ria-se, ria-se e ria-se, com uma garrafa pela metade de uísque e um copo vazio na mão. Meu pai, com a voz alterada pelo excesso de destilado na corrente sanguínea, falava: “― Você não diz sempre que quer ter paz nessa casa, mulher? Então, se eu estou rindo é porque tenho alegria, e quero compartilhá-la com você, meu amor! Há-há-há-há...”. Minha mãe trovejava xingos ao pé do ouvido do bêbado e depois se afastava dele explicando que aquela alegria vinha de fora de casa, que não era verdadeira, que era resultado das gradativas alterações da fisiologia... Ela dizia, aos prantos, todas as minúcias que ilustravam o efeito do álcool no organismo; e no final, já ajoelhada num canto do quarto, com as mãos cobrindo o rosto avermelhado e úmido, dizia ao meu pai, ou ao vento, ou aos móveis: “― Afaste-se de mim, demônio; e leva contigo essa alegria demasiada! Demasiada...”

O primo e o velho não estavam bêbados, é certo; era eu que estava com despeito. Como eu referi antes, usei essa expressão só pra melhor disfarçar de mim próprio o ciúme; mas tem outra coisa: eu também queria escarnecer o sentimento do moço para com o velho, mas consegui só ser um ciumento.

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Um comentário:

Samyle Lindsay disse...

Adorei o 'flashback'
E gostei mais ainda porque esse texto tem riquíssimo vocabulário. :)

Mas não gostei porque as partes vêm cada vez menores... :/

Leonel já era um louco prematuramente apaixonado pela Monise, agora também tem ciúmes da relação do avô com o primo.
Ahh Leonel... Imagina se o primo se apaixona pela a tão amada dele.
Será que o que era um simples ciúmes vai se transformar em ódio?
Será se esse romance vai virar um romance policial, com direito a suspense, planos meticulosamente arquitetados, morte?

Se fosse eu iria me deliciar ainda mais! :DD

Beijo!