quarta-feira, 30 de setembro de 2009

QD

São Luís, não sei quanto de setembro de 2009

O primo Camilo

ERA POUCO MAIS DE TRÊS DA TARDE, a bruma sumira desde as onze da manhã, e o sol se apresentou, mas economizava calor. O clima era aprazível. Enquanto eu era distraído em leitura, próximo à janela da sala, notei uma aproximação que vinha do lado de fora; quando me voltei pro vulto que se fazia notável pelo barulho que produzia, a porta já estava se abrindo com o mesmo ranger de praxe. Não era visível a mim o que chegava, pois a porta me tapava a visão; mas era visível ao velho, numa poltrona mais distante. Foi tal vulto que arrancou a rabugem do rosto do ancião, colocou um sorriso afável e brilho nos olhos. O velho se levantou como um jovem e dirigiu-se até porta; de lá se ouvia lisonjas e mais lisonjas: umas partiam da voz arrastada e fraca do velho, e outras de uma voz nem muito grave, nem demasiada aguda, mas energética e cheia de sotaque. O velho fez companhia ao que chegava, e chamava a velha que estava preparando algo na cozinha. Vi, finalmente, o sujeito entrar: um rapaz de movimentos delicados; magro (não suficientemente caveiroso, mas nada que podia se chamar de atlético); o rosto fino, os cabelos cumpridos e o nariz afilado davam-lhe traços femininos, ― seria um rosto mulheril se não fosse à maxilar robusto e a barba por fazer (Eu disse a mim próprio, na mente, que era uma mulherzinha do nariz pra cima). Tinha boa aparência. Aparentava ele ter mais idade do que eu, pela altura e pela barba. Vestia uma roupa de cores clássicas, toda combinada perfeitamente com o chapéu marrom, que mantinha na mão pra fazer jus aos gestos de cortesia do velho. A velha chegou à sala com as mãos sujas de farinha de trigo, e se esquecera de tirar o avental pra receber o quem a visitava; abriu um sorriso grande quando viu o jovem, e encheu-lo de lisonjas, assim com o velho fizera. Eu deixei-me estar na mesma posição de quando lia. Observava aquela cena tocante com muita atenção. O jovem girou o corpo e encontrou-me no canto da sala, próximo a janela, sentado numa cadeira de balanço com um livro por sobre as pernas. Olhou-me com os olhos espremidos, ― como quem faz força pra enxergar.

― Venha cá, Leonel! Venha conhecer seu primo. ― disse o velho.

“Primo?” Cogitei na mente. Aquele ser de presença comemorada era parente. Procurava eu traços da família no rosto do jovem a minha frente e não descobri nenhum, nenhum. Apertamos as mãos e ele sorriu me dizendo o nome: ― Camilo.
Retribui o sorriso, mas com força tremenda, nem sei a dissimulação fora notável, só sei que os velhos olhavam os dois jovens com um sorriso de quem viu algo sagrado, talvez dois querubins iluminados. A tia voltou pra cozinha dizendo-nos que o chá não demoraria a ficar pronto, e fiquei em companhia do primo e do velho, na sala de estar.

― Como foi à viagem, Camilo? Perguntou o velho.
― Muito tranquila, tio; os ônibus continuam oferecendo conforto, os pinheiros continuam num verde incrivelmente bonito, e a estrada está muito boa. Não tenho o que reclamar. O velho disparou mais algumas perguntas que foram respondidas pelo jovem em palavras metricamente intervaladas. Depois de um tempo, quando viu que os jovens assuntavam coisas de jovem, o velho se retirou e disse que ia ter com a velha, na cozinha. O assunto entre mim e o meu primo fluía como se fossemos íntimos; agradou-me a desenvoltura do rapaz que me dirigia a palavra. Falava-me coisas da cidade onde mora, sobre a profissão, sobre pesca, sobre ser filho de um primo do meu pai, sobre mulheres, e sobre a uma festa que aconteceria no dia seguinte, motivo pelo qual veio à casa dos velhos. Falou-me que todos os anos, na transição do outono para o inverno, vinha só por causa dessa festa, pois morara nesta redondeza muito tempo, e era acostumado a ser presente todos os anos. Falou-me também que não se sentia cansado e que iria pescar, dali a pouco, que não via a hora de se meter no mar pra matar a saudade da sua terra e pra fazer o que mais gosta. Encheu-me de ânimo o primo; disse-me que me levaria junto e que me ensinaria as manhas de pescar, e iria pescar lá no mar, onde mora os meus pensamentos, ou o meu pensamento. Enquanto ele me falava dos lugares que iríamos, minha consciência me dizia que eu estava de castigo, mas eu era crente de que o velho não me ia fazer a desfeita de não me deixar fazer companhia ao estimado sobrinho dele, pois este tinha uma alegria tão sincera e bonita no rosto (que mais parecia uma criança quando no playground), que faria qualquer velho rabugento se tornar um anjo que toca lira e canta para acalentar criançinhas.
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Despeito Amoroso (no próximo)
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2 comentários:

Samyle Lindsay disse...

Eitaa...
Será que o Camilo vai se apaixonar pela Monise também???
Ele é primo do Leonel, mas sei lá.
Concorrência não vai ser nada bom pro Leonel, ainda mais depois desse castigo.
Mas, de qualquer forma, a Monise já sente alguma coisa por ele.

*Tô viajando!* :DD

Anna Vitória disse...

Acho que o Camilo não é tão anjo de candura quanto parece.
beijos