terça-feira, 1 de setembro de 2009

Quase Delírio (PARTE QUARTA)

São Luís, 01 de setembro de 2009


O CESSAR DA CHUVA MARCOU O INÍCIO DO ALERTA; a chuva parou, e estava se aproximando o momento de eu fazer o caminho de volta pra casa; minha mente estava em conflito moral ― Ora, só de imaginar a vergonha que sentiria ao chegar a casa, caso os velhos estivessem acordados. (Sabe-se lá se a polícia podia estar a minha procura ou coisa parecida). Seria eu o culpado por qualquer eventualidade desventurosa. Suportariam os velhos o baque de uma má notícia do sobrinho recém-chegado? Se fosse eu vítima de uma atrocidade qualquer? Pobres senis. Minha tia, velha reumática e cardíaca; meu tio velho, demasiado velho. A minha integridade física nunca fora colocada em tamanha evidência a mim quanto nesse momento... Não muito por minha preocupação, mas as dos tios. Lembrava-me, de quando em quando, com tremendo desconforto, das palavras do meu tio a me alertar. Preocupei-me verdadeiramente com a saúde dos anciões. Tardou a chegar por completo a minha lucidez, e chegara junto o medo... Nesse momento senti medo. Encontrava-me numa situação de guerra e paz nos meus pensamentos. A aflição era, porém, bloqueada por um alento maior e de difícil explicação... Devo dizer que com facilidade suportava aquela aflição que me causava a situação, pois estava ali, diante de mim, com o olhar vigilante e fixo, com postura supinamente séria: Monise; que revelara os cabelos longos que antes se escondia por baixo da capa de chuva, e olhava-me de quando em quando com olhos de leoa a vigiar o seu filhote: eu, um tamanho macho, ― trêmulo e inquieto ― exposto ao frio e ao relento. Confesso que me sentira menos macho nesse instante, pois estava eu tremendo debaixo das vestes úmidas enquanto a fêmea se comportava como líder do bando.
Tive com ela todo esse tempo; mas, envergonhado, não conseguia sequer falar; receava mostrar-lhe a minha voz fragilizada pelo tempo frio (bastava-lhe a roxidão dos lábios e o tremelique do corpo). Tinha vontade de perguntar sobre ela, mas a moça era séria e não mostrava interesse por diálogo. Monise pôs uma das mãos estendida para avaliar o nível da chuva, que de fato já havia terminado; olhou firmemente para a torrente formada ao pé da cabana, voltou-se pra mim e despindo-se da capa de chuva falou-me “Demorou a passar essa chuva” ela disse também outros pormenores sobre tempo e chuva enquanto eu permanecia sentado no baquinho velho. Por baixo da capa de chuva, Monise vestia um macacão jeans surrado com colarim dobrado até o meio das canelas e uma camisetinha branca por baixo; os cabelos avermelhados e lisos eram escorridos por sobre os ombros sardentos (sardentos como o rosto). Monise ― silenciosa e sombria ― se movia lentamente a minha frente. Minha contemplação já era notável a ela, pois ela curvava o seu olhar rapidamente a toda vez que encontrava o meu, que perseguia o dela. Monise sentou-se junto a mim no banquinho, pôs as mãos em descanso e cima das coxas e hesitando me perguntou.
―Você parecia concentrado ali próximo ao mar; o que fazia ali sozinho?
Revelar a resposta para essa pergunta era pra mim mais difícil do que tirar forças pra não tremer a voz. Como eu poderia falar ― assim de cara ― que estava eu lá por causa da promessa que fiz outrora a ela? Seria isso a centelha para um a série de revelações, pois teria que lhe falar do desconforto que senti na tardinha, da fuga, da febre... Tudo por causa da moça que se insinuava no olhar de outrora. Enquanto eu demorava a responder, Monise me olhava com um aspecto curioso (levantou as sobrancelhas e enrubesceu a testa como se estivesse esperando sem paciência). Mas, do fundo dos pulmões, surgiu uma resposta minha.
― Eu contemplava o panorama; estive aqui ontem, me encantei com o lugar e senti vontade de vir hoje. ― Com uma dúvida estampado no rosto, Monise voltou a me questionar.
― Não passou pela ta cabeça o frio e a tremedeira que ia sentir com essa chuva fria? Devo confessar-lhe que tu és corajoso, pois...
Interrompi-a dizendo:
― Foi uma promessa!
― Promessa?
―Sim, uma promessa. ― Observando com espanto o rosto de monise continuei ― Prometi que voltaria a visitar a natureza e os navios, e tratei essa promessa como uma dívida.
Mal podia saber o que se passava na cabeça da moça ao meu lado depois de tal revelação; eu só sei que na minha, ao omitir que a promessa fora também para ela, sentira uma enorme vergonha de mim próprio, senti-me menos macho do que eu era a pouco. Enquanto eu tremia vendo a moça séria, sentia um vazio maior que o desconforto da tardinha, e numa tentativa de atenuar esse cálice, tratei de mudar logo de assunto:
― Você me perguntou se eu não era daqui porque eu contemplava o mar sentado numa pedra, pois as pessoas desse local não mais fazem isso; mas e você; você demorou um tanto quanto eu a contemplação, e creio e que você é daqui, pois me alertou da periculosidade.
― Eu moro aqui desde que nasci, mas sempre contemplo esse lugar com os mesmos olhos de criança, diferente dos outros que se limitam ao trabalho.
Nessa hora Monise se levantou e se pôs no vão de uma porta velha e lá ficou parada olhando para um ponto que não me fiz perceber, eu só sei que me levantei com dificuldades (Permanecera eu muito tempo numa posição) me pus defronte a sardentinha, controlei-me para não tremer e fixei meus olhos atrevidos nos afugentados que era os dela. Como se vencida pelo cansaço, Monise fixou os olhos nos meus, demoramos no mirar até quando ela quebrou o silêncio falando-me sem tirar os olhos dos meus:
― O que tu queres ver com esse olhar bastante atrevido? (Atrevido! Atrevido! Ela é perita em leitura de olhares, presumi em pensamentos) Eu, num movimento muitíssimo rápido, olhei para a boca de lábios rosadinhos e cheios, e voltei para os olhos.
― Eu quero ver se de perto eu descubro o significado daquele olhar de ontem; aquele que se escondeu por trás das dunas.
Com efeito, depois de ter falado o que eu temia falar, senti-me descarregado da culpa e um alívio que, como uma onda de calor, me confortou de tal forma que poria aqui se soubesse distinguir e se não tivesse as mais ridículas comparações em mente... Enfim, voltemos à reação de monise: Os olhos voltaram a ser fugitivos, as mãos esconderam-se no bolso do macacão. Notara eu que a moça fora pega de surpresa. Permaneci na mesma posição sem mover os olhos para outro sentido. Passavam-se mil coisas pelos meus pensamentos, e uma era que, nessa altura, ela já sabia que além dos navios e da natureza, a promessa fora feita a ela também. Então, pra ela, muito de mim já se lhe revelara. Mas a resposta demorava e o tempo passava com velocidade. Monise finalmente voltou a me fitar, os lábios fizeram menção de se separarem para dar passagem à voz, mas a menina de macacão jeans hesitava. Eu a toquei na mão (forte e bronzeada, típico de quem mora na praia) com a minha (Branquíssima e consideravelmente frágil para um rapaz de dezenove anos) ela soltou um suspiro e quase falou alguma coisa, mas freou-se, e logo fugiu novamente o olhar. Eu, ainda “suficientemente” medroso e tímido, movia-me pra mais perto dela, mas só que numa velocidade diminuta, comparável a o ponteiro menor de um relógio, o que marca a hora. Demoramos nesse impasse que eu confesso que era bastante agradável a mim, pois eu já chegara num instante que eu podia sentir o cheiro de Monise; era um cheiro desconhecido pra mim, mas confesso que fora o melhor instante que estive com a sardentinha até então, pois a mistura de mulher e praia que adentrava agradabilississimamente as minhas narinas (podia eu chamar esse momento de delirante) fez-me esquecer por hora jasmim, lavanda, rosas, perfumes de francesinhas... Era um cheiro que não sabia eu nomear, mas era o mais deleitável que eu senti na vida. Monise voltou o rosto pro meu que já estava por de mais próximo ao dela; neste instante ela me olhava com os olhos caídos como se tivesse febre; eu segurei mais forte a sua mão (ela ofegava) e finalmente quebrei a falta de diálogo cobrando a resposta da minha pergunta, já com os narizes se tocando...

CONTINUA

4 comentários:

Samyle Lindsay disse...

:O

Eu acho que ela não o deixa beijá-la!
Não sei por que...

:D

Enquanto isso, os pobres e velhos tios já acionaram a Interpol.
hsuahsuahsuahsuhaushau

Coitados, sobrinho desnaturado que só pensa na sarnentinha.

Anna Vitória disse...

Ah, você cria o climão pra cortar assim? Tá ficando ótimo!
beijos

Lorrayne Lindsay disse...

"Ah, você cria o climão pra cortar assim?"

Concordo, rs!

Poxa eu estava empolgadona...

esperando mais =)

Beijao :*

Mari Abreu disse...

;*