terça-feira, 5 de janeiro de 2010

CAPÍTULO
A Paranóia

Camilo me esperava do lado de fora, encostada na camionete, de braços cruzados, cabisbaixo, com os cabelos presos, vestido na calça colorida e numa camisa de mangas cumpridas, bege, de botões e a gola grande e enviesada que deixava a mostra parte do peitoral; calçava uma sapatilha encardida e surrada; estava revestido por uma melancolia notável - era só tristeza, presumi. Quis perguntar-lhe, mas não perguntei.
No instante em que reparei no figurino de Camilo, bastante colorido e solto, notei que o meu seria impróprio para a festa; aliás, estava eu no meio de pescadores, e meu jeans e camiseta eram o básico, mas não era próprio para a ocasião. “Deixa estar” disse de memória, “eu não sou mesmo um pescador”. È certo que os demais foliões iriam entender a cultura de outrem, ou seja, não me repudiariam, quiçá dizer mal ou olhar torto.
Quando Camilo me viu, deu um pulo e rapidamente entrou no carro, deu na partida, esperou que eu entrasse e saímos.
No caminho falamos pouco, e era sempre eu que inventava assunto. Perguntei coisas sobre a festa e ele sempre me respondia com poucas palavras e muitos intervalos, como se tivesse distraído por algo que então meditava. Não parecia zangado, todavia tinha um rosto assim de preocupação; os olhos, caídos, eram levemente inchados, como de pessoa que acabasse de dormir; era uma feição tão abstrusa e difícil de se entender quanto a mente das mulheres recém traídas, que choram enquanto sofrem, depois de tempo ainda sofrem, mas não mais choram; por fim se tornam umas pessoas mui diferentes, com habilidades na arte do amor e do cinismo que é de por medo. Sim, curioso leitor, ponderaste certíssimo ai em sua cabeça pensante: é certo que eu já trai em uma relação amorosa passada, e acompanhei de perto as conseqüências da aleivosia, bem de pertinho.
Mas, convenhamos, o que Camilo tinha pra se preocupar? Quis perguntar-lhe sobre isso, mas senti receio de ser eu amolador. Depois quis falar-lhe sobre Monise para explicar a razão por que escrevi repetidamente o nome dela no bloco de notas; quis saber também se a conhecia, e isso me acordou uma suspeita azucrinante. Contive-me com muito esforço para não dar com as palavras na cara dele e põr, ali, a verdade diante de mim. Freava-me o medo. A minha mente se contorcia de dúvida e isso me importunava. Quis saber quem realmente era o rapaz que estava ao meu lado. Senti um fluido estranho percorrer as minhas veias e deixar úmida e frígida a minha pele, percebi uma gota de suor, fria, rolar sobre a minha costela, uma outra sobre a fronte e uma terceira no peito: essa é a descrição da demência que inesperadamente me possuiu; demência que, uma vez longe da eloqüência dos verbos e da fúria dos nomes, haveria de sair por outro caminho, e foi tanta a violência contra os nomes que estes acabaram, dentro de mim, se liquefazendo, meu corpo tratou de excretá-las pelos poros, que gentilmente não se fizeram difíceis para a passagem do tal líquido: deixaram que saísse até a última molécula.
Uma vez que a paranóia ficasse fora do meu corpo, surgiu em mim coragem de perguntar sobre Monise, mas a espera me fez demorar por tempo, tanto que chegamos à festa e nem sequer tremi os lábios em menção de falar. As palavras não saíram das cavernas frias dos meus pensamentos, como se tivessem acorrentadas e vigiadas pelos soldadinhos do medo e do ciúme.

3 comentários:

Samyle Lindsay disse...

Com certeza, esse post tem muito mais de ti que os outros.
Mas achei muito curto :/

Beijo ;*

' [A]ndy Azevedo. disse...

Guri, teu blog tá show!
10 é pouco rs, amei de verdade...

Beijão.

Hugo de Oliveira disse...

Show...vai ter continuação né?

Abraços
de luz e paz

Hugo